Fim da escala 6x1 inviabiliza pequenos negócios do comércio Um recuo entre 20% a 25% do faturamento com a redução do horário de funcionamento ou a contratação de mais um colaborador ao custo de 50% de mão de obra são alguns dos impactos da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que prevê...

26 de novembro de 2024
Diário do Comércio

Um recuo entre 20% a 25% do faturamento com a redução do horário de funcionamento ou a contratação de mais um colaborador ao custo de 50% de mão de obra são alguns dos impactos da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que prevê redução da jornada de trabalho de 44 para 36 horas semanais para um pequeno varejista.

A minuta do texto da proposta da deputada Érika Hilton (PSOL-SP), que ainda não foi apresentada na Câmara dos Deputados, altera o artigo 7º da Constituição Federal para estabelecer limite de oito horas diárias de trabalho e 36 horas semanais, com jornada de trabalho de quatro dias por semana, a chamada 4x3. Na prática, propõe para todos os segmentos econômicos o fim da escala 6x1, a mais utilizada por lojistas de shopping.   

O assunto teve grande repercussão nas redes sociais na última semana e gerou apreensão no meio empresarial, justamente num momento em que o varejo enfrenta desafios importantes, como concorrência acirrada e pressão sobre as margens de lucro.  

A simulação sobre os efeitos da mudança para um pequeno negócio do comércio foi feita por Caio Camargo, especialista em gestão e inovação no varejo, com base numa loja que funcione de segunda a sábado, das 10 às 22 horas, com dois funcionários. Para se adequar à nova jornada como estabelece o texto, sem aumentar o quadro de colaboradores, será preciso reduzir a atividade do negócio em 3 horas diárias ou dois dias na semana.

Se o lojista optar por manter o atual horário de funcionamento, será obrigado a contratar mais um colaborador, aumentando em 50% o custo de mão de obra e sem a expectativa de aumento da receita.

Na opinião de Camargo, sem uma explosão de vendas que justifique aumentar o quadro de colaboradores, qualquer iniciativa de aumentar a equipe para manter o atendimento nesses horários impactará diretamente as margens de lucro, pressionando os preços finais dos produtos.

“A escala 4x3 proposta pela PEC sem a contrapartida da redução de salários é praticamente inviável para as pequenas empresas. Para o varejo tradicional, que já sofre com a concorrência dos marketplaces e, mais recentemente, com o avanço das Bets, pode representar o fechamento das portas”, prevê o especialista.

Embora já tenha um número de assinaturas suficiente para começar a tramitar na Câmara dos Deputados - são cerca de 250 assinaturas até o momento -, a PEC ainda não foi oficialmente apresentada. Depois de protocolada, a proposta terá um longo caminho a percorrer no Congresso e precisará de 308 votos, no mínimo, para ser aprovada na Câmara.

Outra proposta sobre redução de jornada já em andamento na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara é a PEC 221/19, do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), que propõe o limite de 36 horas semanais de forma gradativa em um prazo de 10 anos. O texto ainda não tem relator.

REPERCUSSÃO

A ideia de reduzir a jornada de trabalho de forma drástica sem considerar as particularidades de cada setor já mobiliza entidades empresariais, que defendem um amplo debate sobre o tema e análise aprofundada sobre os custos para o varejo e os efeitos econômicos da mudança.

“Em muitos casos, o impacto dessa alteração, sem a possibilidade de flexibilização na contratação por hora, poderia comprometer a sobrevivência dos pequenos e médios lojistas, que formam a espinha dorsal do setor”, diz Mauro Francis, presidente da Ablos (Associação Brasileira dos Lojistas Satélites de Shoppings).

Para o executivo, o caminho para a adoção de uma carga horário menor é pela via da negociação privada entre empregado e empregador ou, na forma atual, por acordo coletivo, respeitando as particularidades de cada setor.

A ACSP (Associação Comercial de São Paulo) ressalta que a proposta é um retrocesso e traz impactos negativos aos trabalhadores nos dois cenários. "Ao adotar a nova jornada, a empresa terá um custo, o que pode colocar em risco o emprego dos funcionários. Por outro lado, se a empresa carregar esse custo adicional, isso necessariamente será repassado ao preço do produto final e, de novo, é o trabalhador quem pagará a conta", diz o presidente da entidade, Roberto Mateus Ordine.  

Na visão da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), a redução drástica na jornada de trabalho pode resultar em aumento dos custos operacionais, o que, por sua vez, elevaria os preços finais para o cliente, afetando a experiência do consumidor e a competitividade do setor de bares e restaurantes, em um momento em que cerca de um quinto do segmento trabalha com prejuízo.

“É uma proposta estapafúrdia e que não reflete a realidade. As regulamentações estabelecidas pela Constituição e expressas na CLT são modernas e já trazem as ferramentas para garantir condições de trabalho dignas e justas aos colaboradores", afirma Paulo Solmucci, presidente da entidade.

Para a CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), a imposição de redução da jornada de trabalho sem a correspondente diminuição de salários, em vez de gerar novos postos de trabalho, poderá provocar uma onda de demissões, especialmente nos setores de mão de obra intensiva.

“As atividades comerciais e de serviços exigem uma flexibilidade que pode ser comprometida com a implementação da semana de quatro dias, dificultando o atendimento às demandas dos consumidores e comprometendo a competitividade do setor”, diz a CNC, em nota.

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