Imunidade do ITBI na integralização de capital social: dos julgados pró-contribuintes As decisões judiciais recentes dos Tribunais de Justiça de Mato Grosso e São Paulo trouxeram importantes contribuições para o debate sobre a aplicação da imunidade do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) nas...

15 de julho de 2025
Conjur

As decisões judiciais recentes dos Tribunais de Justiça de Mato Grosso e São Paulo trouxeram importantes contribuições para o debate sobre a aplicação da imunidade do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) nas operações de integralização de capital social, especialmente no contexto de empresas holdings e sociedades recém-constituídas.

A questão central que permeia essas decisões está relacionada à interpretação do artigo 156, § 2º, inciso I, da Constituição, que estabelece a não incidência do ITBI sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, ressalvadas as situações em que a atividade preponderante do adquirente seja a comercialização desses bens, locação de imóveis ou arrendamento mercantil.

 

 

Precedente do TJ-MT: limites da tese do STF

Em recente julgamento proferido pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso nos autos do processo nº 0050811-33.2015.8.11.0041 [1] aspectos fundamentais para a compreensão dos limites da aplicação do Tema nº 796 [2] da Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal foram delimitados. O caso envolveu uma empresa holding que utilizou bens imóveis para integralização de seu capital social, situação a qual gerou cobrança de ITBI pelo município de Cuiabá sobre uma suposta diferença de valores.

A corte mato-grossense demonstrou rigor técnico ao analisar a aplicação da tese firmada pelo STF no RE 796.376/SC, que reconhece a imunidade tributária apenas até o limite do valor do capital integralizado com os bens. O tribunal estadual foi categórico ao afirmar que, no caso concreto, não havia demonstração por parte da Fazenda Pública Municipal da existência de valor excedente destinado à formação de reserva de capital ou com finalidade diversa da integralização.

Essa posição ressalta um ponto fundamental, o qual não basta ao Fisco alegar, de forma genérica, a existência de valor excedente para afastar a imunidade tributária do ITBI. É imprescindível que a administração tributária comprove, por meio de procedimento fiscalizatório adequado, que os recursos foram efetivamente utilizados para fins distintos da integralização do capital social.

Outro ponto de extrema relevância na decisão do TJ-MT refere-se à nulidade do arbitramento unilateral da base de cálculo do ITBI realizado pelo município. A corte foi enfática ao destacar que tal conduta viola frontalmente o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema Repetitivo nº 1.113 [3].

Segundo esse precedente, o município não pode estabelecer previamente a base de cálculo do ITBI com base em valor de referência fixado unilateralmente, sem a observância do devido processo legal, contraditório e ampla defesa. Esta orientação representa um avanço significativo na proteção dos direitos dos contribuintes, especialmente em operações societárias complexas onde a avaliação patrimonial demanda análise técnica especializada.

A exigência de instauração de processo administrativo prévio para o arbitramento de valores tributários não constitui mera formalidade, mas sim garantia fundamental do contribuinte, assegurando que a base de cálculo seja fixada mediante critérios técnicos e transparentes, com oportunidade de defesa e contraditório.

 

Fundamento constitucional consolidado pelo TJ-DF

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal firmou posicionamento relevante sobre a questão. Por meio do Conselho Especial, no julgamento do Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade Cível nº 0705115-03.2021.8.07.0018 [4], estabeleceu entendimento no sentido de que a imunidade tributária do ITBI concernente à integralização de capital social abrange também as operações de transferência de imóveis para integralização de capital, ainda que a empresa adquirente tenha como atividade preponderante a compra e venda, locação ou arrendamento de bens imóveis.

 

O TJ-DF reconheceu que a imunidade do ITBI na integralização de capital é ampla, não se restringindo apenas às operações de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica. A corte interpretou que o art. 156, § 2º, I, da Constituição estabelece duas situações distintas: a não incidência do ITBI sobre integralização de capital (incondicionada) e sobre reorganizações societárias (condicionada à atividade preponderante do adquirente).

Assim, seguindo o precedente do STF, o tribunal distrital declarou a inconstitucionalidade parcial dos dispositivos legais que condicionavam inadequadamente a imunidade à ausência de preponderância da atividade imobiliária da empresa, consolidando que a imunidade do ITBI na integralização de capital social é incondicionada.

 

Proteção temporal da imunidade: o posicionamento do TJ-SP

As últimas decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo conferem uma relevante dimensão temporal à discussão, especialmente para empresas recém-constituídas. Conforme o artigo 37, § 2º, do Código Tributário Nacional, se a pessoa jurídica adquirente der início às suas atividades após a aquisição — ou menos de dois anos antes dela —, a apuração da preponderância deverá considerar os três primeiros anos subsequentes à data de aquisição.

Esta disposição legal cria uma espécie de “período de carência” durante o qual a imunidade deve ser reconhecida, não podendo o município exigir o ITBI antes da conclusão do triênio. Trata-se de proteção legislativa que reconhece a impossibilidade prática de determinar a atividade preponderante de uma empresa em seus primeiros anos de funcionamento.

 

Veja-se o posicionamento da corte:

“DIREITO TRIBUTÁRIO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. EMISSÃO DE CERTIDÃO DE NÃO INCIDÊNCIA DO ITBI. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. Insurgência em face da sentença que julgou improcedente o pedido. Cabimento. A autora integralizou capital com imóveis, e a questão envolve a não incidência condicionada do ITBI antes do triênio subsequente à aquisição. O art. 156, § 2º, I, da CF/1988 estabelece imunidade do ITBI para transmissão de bens incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica, salvo atividade preponderante de compra e venda, locação ou arrendamento. A verificação da atividade preponderante deve ocorrer nos três anos seguintes à aquisição, conforme art. 37, § 2º do CTN, sendo prematura a cobrança do ITBI antes desse período. Reconhecimento do direito de obter certidão de não incidência do ITBI, impondo-se a obrigação de fazer, restaurando-se os efeitos da tutela de urgência, mas ressalvado do direito da Fazenda Municipal de apurar a eventual atividade preponderante e arbitrar a base de cálculo em regular procedimento administrativo, observado o disposto no artigo 148 do Código Tributário Nacional, assegurando-se o contraditório naquele âmbito. Sentença reformada. Recurso provido, com observação”.  (TJSP; Apelação Cível 1000406-66.2024.8.26.0356; Relator (a): Rezende Silveira; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Público; Foro de Mirandópolis – 2ª Vara; Data do Julgamento: 29/05/2025; Data de Registro: 30/05/2025)

 

“Apelação. Mandado de Segurança. ITBI. Insurgência contra sentença que denegou a segurança. Integralização de bem imóvel ao capital social da empresa. Imunidade condicionada. Pessoa jurídica agravante, todavia, recém-constituída (maio de 2023). Interpretação do art. 37, §2º do CTN. Ausência, ao menos por ora, de evidências no sentido de que tenha a autora exercido, de forma preponderante, atividades relacionadas à compra, venda, locação de bens. Imunidade reconhecida sob condição suspensiva. Decisão parcialmente reformada. Recurso provido em parte.”   (TJSP; Apelação Cível 1002989-91.2024.8.26.0075; Relator (a): Marcos Soares Machado; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro de Bertioga – 1ª Vara; Data do Julgamento: 11/06/2025; Data de Registro: 11/06/2025).

Em consonância com as ementas acima transcritas, o TJ-SP evidenciou o alcance dessa proteção temporal, delimitando que a cobrança antecipada do ITBI configura exigência prematura e alheia ao ordenamento jurídico. Ademais, a corte paulista acrescentou que, escoado o triênio de carência, cabe ao município comprovar a preponderância da atividade imobiliária pela pessoa jurídica antes de demandar qualquer tributo.

Implicações práticas

Essas decisões trazem importantes implicações para o planejamento tributário e estruturação societária, especialmente no contexto de holdings familiares e empresas patrimoniais. A consolidação jurisprudencial do entendimento de que a imunidade do ITBI deve ser reconhecida durante o período de carência oferece maior segurança jurídica para operações de integralização de capital.

Para os contribuintes, as decisões reforçam a importância de documentar adequadamente as operações de integralização, demonstrando que os valores utilizados correspondem efetivamente à integralização do capital social e não à formação de reservas ou outras finalidades. Simultaneamente, evidenciam a necessidade de questionar arbitramentos unilaterais realizados pelos municípios sem o devido processo administrativo.

Do ponto de vista da administração tributária, os precedentes sinalizam a necessidade de maior rigor na instrução dos processos de cobrança de ITBI, especialmente no que se refere à comprovação da existência de valores excedentes e na observância do devido processo legal para arbitramento de bases de cálculo.

 

 

Considerações finais

Os julgamentos analisados representam evolução importante na jurisprudência tributária, oferecendo maior clareza sobre os limites e condições para aplicação da imunidade do ITBI nas operações de integralização de capital social. A proteção conferida às empresas recém-constituídas durante o período de carência, aliada à exigência de devido processo legal para arbitramento de valores, cria ambiente mais equilibrado na relação entre fisco e contribuinte.

Estas decisões reforçam a necessidade de interpretação restritiva das exceções à imunidade tributária, em consonância com os princípios constitucionais que orientam o sistema tributário nacional. A tendência jurisprudencial aponta para maior proteção dos direitos dos contribuintes, sem, contudo, criar obstáculos intransponíveis à fiscalização tributária, desde que exercida dentro dos parâmetros legais e constitucionais.

O cenário jurisprudencial atual oferece, portanto, maior previsibilidade para operações societárias envolvendo bens imóveis, contribuindo para a segurança jurídica necessária ao desenvolvimento de estruturas empresariais eficientes e em conformidade com o ordenamento tributário vigente.

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